Caminho de ferro transiberiano

Nunca a metáfora do trem fez tanto sentido para mim. Aquela de que somos apenas passageiros nesta vida e devemos dar importância ao caminho e não ao destino.

Foram exatas duas semanas cruzando a Rússia de uma ponta à outra, partindo de Moscou pelo longo caminho de ferro transiberiano. 9259 km de trilhos com quatro paradas em cidades estratégicas – Yekaterinburg, Krasnoyarsk, Irkutsk e Ulan-Ude – até chegar ao destino final: Vladivostok, que fica às margens do Mar do Japão, de onde escrevo este texto a 13 horas à frente do Brasil.

Dentro do trem, momentos de euforia com as belíssimas e diferentes paisagens que dançavam pela janela se misturavam com o tédio das longas horas de ócio sob os olhares curiosos dos passageiros de todas as regiões russas.

Na clássica e original Transiberiana, de Moscou a Vladivostok, os turistas são a minoria (adoro!). Na maioria dos trechos, fui a única estrangeira no vagão – o que dá para imaginar o grande desafio de comunicação.

Durante a viagem, os corpos robustos, cabelos dourados e olhos azuis da população ocidental russa iam dando lugar a estaturas mais baixas, rostos asiáticos e pele morena descendentes dos indígenas buriatos. E, às vezes, tudo isso misturado. Nestas horas, eu me dava conta de quão longe de casa eu estava.

Enquanto o meu objetivo era explorar a rica diversidade do maior país do mundo, o dos passageiros locais era rever suas famílias e amigos durante as férias de verão. Abraços apertados no embarque e desembarque simbolizavam este reencontro.

Voltando à metáfora citada no primeiro parágrafo, assim como na vida, tive bons e maus momentos, encontrei pessoas que vibravam na mesma energia e outras nem tanto. Passageiros amigáveis, hospitaleiros e de bem com a vida dividiam o mesmo vagão e cabine com egoístas, individualistas, bêbados e “sem noção”. E, por incrível que pareça, as melhores experiências foram na terceira classe, a do povão (adoro – parte 2!).

Os membros de cada vagão formavam uma comunidade itinerante temporária de 40 passageiros na segunda classe e 60 na terceira. Dividíamos a cabine, o assento inferior (que a noite virava cama), a mesa, os dois banheiros e as disputadas janelas. A maneira como esse ambiente era compartilhado determinava a qualidade da viagem.

A cada parada, essa comunidade se renovava com o doloroso adeus aos passageiros de boa energia e o confortante alívio pela partida dos inconvenientes, representando a forma cíclica da vida de que tudo passa e todos se vão. Alguns partiam durante a noite, sem oportunidade de despedida, enquanto outros já ocupavam seus lugares pela manhã com comportamentos distintos.

Como diz Toquinho em sua clássica música Aquarela, que foi tema desta minha viagem me fazendo relembrar os mais inocentes sonhos de criança:

“Nesta estrada, não nos cabe conhecer ou ver o que virá.
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela de uma aquarela que um dia, enfim, descolorirá.”

Ou seja, não nos preocupemos demasiadamente com o futuro, ele “não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda a nossa vida, depois convida a rir ou chorar.” Toquinho de novo!

Vivamos o momento presente em sua plenitude e sejamos gratos ao que temos recebido como oportunidade de evolução. Afinal, estamos aqui para isso e não para viver no modo automático, comendo, bebendo, dormindo e sonhando com um futuro melhor. Esse foi o maior ensinamento que a viagem de trem mais longa do mundo sutilmente reforçou. Gratidão, Transiberiana!

***

Aos poucos, pretendo escrever outros textos detalhando as principais curiosidades e aprendizados desta longa jornada e experiência. A rotina do trem, o que vi pela janela, nas plataformas, e o que vivi nas cidades que parei experimentando o dia a dia dos nativos.

Esse texto é apenas para dizer que não foi fácil, principalmente para quem tem o valor base liberdade como eu. Mas valeu cada centavo, minuto, trilho e desafio. Afinal, eu sabia desde o início que seria uma grande aventura fora da minha zona de conforto que contribuiria para a minha evolução pessoal.

Desembarquei do último trem uma pessoa diferente. Metamorfose que segue!

Fotos e vídeos estão disponíveis neste álbum.

2 thoughts on “Caminho de ferro transiberiano

  1. Gislaine Quintana Marques

    Uau! curiosa para saber mais detalhes! sempre corajosa e pronta para aprender as lições de vida! parabéns, querida vanessa!!! bjs e saudades

    • Vanessa Tenório

      Gratidão, Gis! Em breve, compartilho um pouco mais sobre as variadas lições aprendidas. Saudades também! Beijo grande

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