Marcas da jornada

Este texto é sobre a minha intimidade onde compartilho o turbilhão de emoções que vivi nos últimos três meses no Espaço Schengen. Se você acompanha a minha viagem apenas para conhecer diferentes projetos sobre Educação e Sustentabilidade, sugiro parar a leitura por aqui porque não abordarei estes temas neste momento.

Para ficar tanto tempo na Europa com o visto de turista, eu tenho que equilibrar 90 dias dentro da área Schengen e 90 dias fora. O meu último trimestre dentro foi totalmente planejado para a minha chegada na Estônia (onde estou agora e tinha o compromisso de ser novamente voluntária na Conferência anual das Ecovilas da Europa).

Entrei pela Holanda no dia 1° de maio após ter vivido uma experiência transformadora no Reino Unido, especialmente na Escócia, quando completei mais um ciclo de vida e nasci de novo.

Neste novo nascimento, redescobri (como uma adolescente) o meu corpo e a minha sexualidade, que estava adormecida há quase três anos por escolha própria.

Foi um trimestre intenso. Uma viagem interna e externa explorando 06 países e 36 cidades em 70 dias. O cansaço bateu e eu só queria um lugar para não fazer nada, ficar em silêncio comigo e relaxar antes do evento.

Decidi, portanto, reservar um quarto em um residencial em Riga na Letônia, cidade conhecida como a pérola do Báltico. O que eu não sabia ainda é que essa pequena pausa ia realmente me fazer parar por um tempo. E, infelizmente, por uma causa que eu ainda não compreendi.

Após ter passado um dia maravilhoso na praia da Jurmala, onde pela primeira vez tive vontade e autoconfiança para fazer topless (algo comum na Europa, mas tabu no Brasil), cheguei no apartamento com o imenso desejo de me refrescar com um banho frio.

Para o meu azar, o sistema de aquecimento estava sinalizado de forma invertida e, ao invés de selecionar o modo frio como desejava, acionei o máximo quente sem saber. E para completar, havia algumas opções de saída de água além do chuveiro (até então desconhecidas) que funcionam como uma espécie de hidromassagem. Quando abri o registro, um jato de água muito quente – que veio de uma dessas saídas especiais – me atingiu e queimou parte do lado direito do meu corpo (com maior intensidade o seio, o ombro e a mão).

O jato de água que me queimou saiu deste retângulo abaixo do registro

Foi uma dor insuportável. Estava sozinha e não podia me dar ao luxo de chorar. Tinha que agir rápido. Foi então que me lembrei dos treinamentos de primeiros socorros que fiz no Rio e coloquei água fria nas partes atingidas. Já passava das 22h e fui dormir com dor. Afinal, no dia seguinte, eu finalmente embarcaria em um BlaBlaCar para Tallinn na Estônia, com um casal russo que não fala inglês, para o meu tão esperando compromisso.

Após uma noite mal dormida por causa da dor, acordei cedo para me preparar para sair. Quando coloquei minhas lentes e pude inspecionar o meu corpo, fiquei desesperada com o que vi e aí sim me permiti chorar por alguns minutos.

Era uma dor mais emocional que física. Eu estava sozinha, frágil e vulnerável. O meu seio foi a parte mais atingida e eu me perguntava: “Por quê?”. Justo ele (o direito) que no meu processo de redescoberta era a minha parte preferida, agora estava ali, escuro, cheio de bolhas e enrugado. Difícil aceitar. Continuei chorando enquanto um filme passava pela minha cabeça com perguntas que eu não sabia responder.

Vou ficar com cicatrizes? Se sim, conseguirei aceitar meu corpo novamente?
Terei vergonha de ficar nua na frente de alguém?

A minha cabeça estava no futuro. Até que uma pergunta me trouxe para o presente:

Que mensagem esse acidente quer me passar?

Parei de chorar e comecei a refletir sobre esta pergunta apenas observando o meu corpo e as minhas emoções. Eu estava ferida, nervosa, ansiosa, inquieta, com medo e relutante. Não queria aceitar o que ocorreu, não queria interromper temporariamente a minha jornada.

Quando tive a consciência de que eu não podia mudar o ocorrido e a única coisa que eu poderia fazer era aceitar, tudo ficou mais fácil. Comecei a agir e pesquisar na internet sobre que tipo de queimadura eu tinha sofrido, a pedir apoio no grupo das Brasileiras pelo Mundo, a descobrir como acionar o seguro viagem pela primeira vez em mais de uma década viajando sozinha.

Também lembrei-me da minha experiência como voluntária no projeto Praia para Todos com diversas pessoas com deficiência física que esbanjavam sorrisos; das minhas amigas que tiveram câncer de mama e perderam seu(s) seio(s). “O que era uma cicatriz oriunda de uma queimadura de segundo grau diante disto? Nada!”, conclui. Foi forte, mas pensar assim aliviou a minha dor e eu agradeci por não ter sido nada mais grave.

Quando cheguei na Estônia carregando a minha mochila de 50lt em um ombro só, acionei o seguro com o suporte da família iluminada de Fortaleza que está me apoiando (sou grata por ter sempre anjos de luz em meu caminho). Fui atendida em domicílio por um médico super atencioso que diagnosticou a queimadura de segundo grau e me levou para o hospital para receber o devido tratamento.

Primeira vez usando o seguro viagem

Enquanto a seleção de futebol brasileira jogava contra a Bélgica pelas quartas de final da Copa da Rússia, eu estava sozinha no hospital aguardando atendimento. A equipe que me atendeu era despreparada com relação ao inglês e muitas das minhas perguntas técnicas não foram respondidas. Eles apenas agiram friamente, raspando e limpando toda a região da queimadura enquanto eu me contorcia de dor na maca sem nenhuma mão para apertar. Quando a enfermeira terminou de me enfaixar, ela apenas disse enquanto minhas lágrimas escorriam: “That’s all”. O jovem médico prescreveu o antibiótico para evitar infecção e pediu que eu retornasse no dia seguinte para trocar os curativos. Finalizou dizendo que eu ficaria com cicatrizes (naquela altura, essa confirmação nem doía tanto, pois eu já tinha aceitado).

Com a necessidade de repouso e cuidados especiais, tive que cancelar a minha participação na conferência com muita tristeza e estender minha estadia em Tallinn, onde ficarei até o próximo sábado quando embarco para a Rússia.

Que estas marcas da jornada sejam lembradas de uma forma positiva referente a um período da minha vida em que renunciei muita coisa e me arrisquei em busca dos meus sonhos. Que sejam também um sinal quando eu precisar desacelerar e cuidar de mim.

8 thoughts on “Marcas da jornada

  1. Gláucia França

    Querida Vanessa! Votos de melhoras o mais breve possível. Vc é guerreira e na mochila carrega também nossa boa energia! Realmente não sabemos nada à respeito do que o próximo passo nos reserva. Temos uma fé tão grande na existência que planejamos e seguimos em frente com confiança, mas sem nenhuma segurança no futuro. O mais importante é ter confiança de que não estamos sozinhos. Mais uma vez vc nos inspira com sua força. Vá com calma, respeitando o tempo do corpo, pois tudo está certo e ficará a cada dia melhor. Vou redobrar daqui a dose de energias boas pra vc, ok? Um beijo grande.

    • Vanessa Tenório

      Gratidão, Gláucia, pelas palavras de apoio, carinho e boas energias. Estou no processo de recuperação física e emocional. Em breve estarei 100% novamente. 🙂

  2. Gislaine Quintana Marques

    Oh, Vanessa! Que vida louca essa! Quando nos propomos a aprender parece que há muitos turbilhões, pois nos abrimos para receber tudo. Então vêm os desafios, os tormentos, as alegrias e a evolução! Envio muito amor e energia positiva para ti. Que consigas sempre superar esses momentos e encontrar momentos de muita felicidade. É uma grande aventura de transformação esta que aceitaste viver e o mais maravilhoso é que traz grande ensinamentos para todos. Obrigada! Beijo grande e um forte abraço. #estamosjuntas

    • Vanessa Tenório

      Oh, Gi. Gratidão por seu amor e energia positiva. Recebo com o coração mais confortado. Estamos juntas sim.
      Aproveito a oportunidade para te desejar um novo ciclo cheio de muita luz e paz. Um beijo carinhoso e um abraço fraterno.

  3. Sandra e Fabinho

    Querida Vanessa, que triste ficamos por esse acidente que te causou tantas e profundas dores! Esperamos que se recupere logo e que todo bem-querer que esses seus irmãos de coração te têm reconforte seu espírito.💕

    • Vanessa Tenório

      Ah, meus irmãos de coração, meu coração se alegra com o amor e carinho de vocês. Estou me recuperando. O processo é lento, mas estou confiante que em breve estarei pronta para continuar a minha jornada. Com amor e gratidão, sua irmã.

Comments are closed.