Após mais de quatro anos em silêncio por aqui — desde que atravessei oceanos para viver e implementar o projeto social mais transformador da minha vida, o EAGLE (Empowering Adolescent Girls to Learn and Earn), que impactou diretamente 4.200 meninas em situação de vulnerabilidade em Moçambique — eu volto! \o/
Volto depois de um sonho que desenhei e redesenhei algumas vezes, e insisti em concretizar mesmo com a longa espera durante a pandemia, mesmo com todos os nãos, todas as dores, toda a falta de estrutura, toda a crise sociopolítica.
Sonho que se tornou realidade através de cada olhar, cada sorriso, cada história, cada transição de menina tímida para mulher alfabetizada, com pensamento crítico, lendo o mundo através da metodologia do eterno mestre Paulo Freire.
Durante esse tempo, segurei mãos frágeis e firmes. Recolhi lágrimas, sonhos e medos de meninas que, como eu, apenas precisavam de espaço para existir com dignidade.

Fui ponte, estrutura e casa. Fui borboleta e águia. Fui também a que, mesmo doando tudo de si, silenciou a própria escrita pública (talvez porque viver intensamente precise de um certo distanciamento para ser narrado).
Retornar da savana, do barro, dos centros de aprendizagem sob árvores, sem energia elétrica e infraestrutura, para uma cidade em constante ascensão como o Rio, é um desafio quase espiritual.
Voltei calada, intensa, repleta e estranhamente só. Não por falta de gente, mas porque poucas coisas fazem sentido depois de ter vivido tão perto da essência.
Hoje, volto para este espaço (que já foi meu refúgio e grito de existência) com a mesma alma inquieta, mas com mais raiz, com mais corpo, mais céu; entendendo que raízes e asas podem, sim, coexistir.
Retorno impulsionada por duas fagulhas intensas, inesperadas e profundamente simbólicas que reacenderam minha escrita: dois espelhos que me atravessaram — um íntimo e outro midiático.
Uma carta privada publicada por um amigo escritor e um documentário de uma mulher que sempre transitou entre o excesso e o inevitável.
Dois episódios que reacenderam em mim uma urgência antiga: escrever como quem sangra, ama, cuida e oferece.
A carta (primeiro episódio) era minha, mas poderia ser de qualquer mulher que ousou ser tudo o que é. “Quem sou eu” foi escrita num impulso de afirmação e lembrança. Uma espécie de ritual de reconhecimento após um longo mergulho em silêncio.
Foi nesse estado que recebi o pedido do sensível e generoso amigo Alex Bretas para publicar um texto meu, compartilhado com ele no privado, após uma daquelas mágicas costuradas à mão pelo Universo: as sincronicidades da vida.
O texto ganhou as redes e, de repente, minha voz silenciada ecoou em mulheres conhecidas e que eu sequer conhecia, e em tantas outras que disseram: “Você falou de mim!”. Todas atravessadas pelas mesmas camadas de fogo, doçura e coragem.
E eu senti: a dor e a delícia de uma é o espelho da outra. A nossa potência é coletiva!

Como se não bastasse, num sábado tranquilo, topei com o segundo episódio: o documentário da Anitta. E lá estava a outra fagulha: Larissa, o outro lado da Anitta com todas as contradições e multidões que também me habitam.
Ali, vi-me refletida na dualidade feroz daquela ariana que, como eu, não teme se molhar, se despir, se reinventar.
Vi minha própria relação complexa com a intensidade, autenticidade e espontaneidade, com a espiritualidade, sexualidade e vulnerabilidade.
Vi a mulher que lidera, que deseja, que cuida, que romantiza e que explode. Que pesquisa sobre si mesma, que se constrói e se desconstrói sem pedir licença. E que também se assusta com a própria potência, especialmente quando ela é espelho e não agrado.
Vi o desconforto da pergunta “e agora, quais seus planos?”, feita por quem não percebe que viver no fluxo já é plano suficiente, uma escolha consciente.
Esses dois episódios-espelhos me puxaram de volta à escrita pública.
E, para marcar esse retorno, escrevi outro texto que é sopro e tambor, que abraça e desperta com a mesma veia pulsante da carta: a recusa de caber, a necessidade de sentir tudo, a verdade como guia pessoal.
É isso o que estou fazendo aqui de novo: retornando ao lugar onde posso existir inteira. Sem legenda, sem limite de caracteres, sem ajuste, sem medo de incomodar, sem intenção de agradar algoritmos para viralizar.
Aprendi com as meninas de Moçambique que quando uma mulher se ouve, outras escutam eco e aprendem também a dançar a própria música, mesmo que seja em ritmo de piano com dois malteses dormindo aos pés (como danço agora, tranquila, enquanto escrevo no meu quarto no Rio de Janeiro).
Que a minha própria escuta ecoe e desperte a dança íntima de cada uma de vocês!
PARA QUEM OUSA SER TUDO O QUE É
Não sou apenas uma.
Sou uma multidão que mergulha em si mesma com coragem, medo e verdade.
Sou altamente sensível. Sinto e absorvo como esponja a energia das pessoas e do ambiente.
Sou minha melhor casa. E essa casa precisa de janelas abertas para receber os quatro elementos que nutrem; precisa do silêncio, da natureza e de espaço para respirar.
Sou a que ama demais, a que oferece colo, escuta e altar.
Mas também sou a que se ausenta quando não se sente vista nem apreciada.
Sou a que quer fugir e a que quer repousar, a que cuida e a que se exaure por cuidar.
Sou a que sabe que a sede de partir também é reflexo da exaustão de permanecer.
Assusto quem só sabe amar pela metade, quem é morno.
Mas encanto quem tem coragem de se despir comigo: emocional, espiritual e energeticamente.
Sou a que quer afeto à moda antiga e prazer à moda kundalini.
Sou a espiritual que geme, a valente que chora, a borboleta que tropeça.
Aprendi a não me envergonhar do meu excesso;
ele é a medida exata da minha verdade.
Estou aqui para ser sentida e não tolhida nem digerida.
Não me caibo em moldes, rótulos ou expectativas.
Sou a que descobriu que não há potência sem contradição, vínculo sem vulnerabilidade.
Sou mulher inteira, em processo, em constante aprendizado, em espiral, em flor.
Sou a que não foge da dor, mas escreve sobre ela. E isso é cura.
Sou escrita antes de ser palavra.
Talvez você me ache intensa. Eu sou.
Mas a minha intensidade é meu dom, não meu defeito.
Ela é a oração da minha alma.
É a dança entre o feminino selvagem e o masculino lúcido que me habita.
Não me peça equilíbrio.
Me peça verdade.
Mergulhei em mim depois de muitas conquistas.
Entendi que não há topo sem abismo, pico sem vale.
E que só sou feliz quando não finjo mais, quando aceito a imprevisibilidade e impermanência da vida.
Sou a que não teve medo de largar tudo e cruzar cinco continentes com propósito.
Não para provar nada a ninguém, mas para honrar a própria sede de sentido.
Fui além do plano frustrado e não executado de um motorhome a dois.
Fui borboleteando comigo mesma.
Criei impacto, gerei vida, toquei almas.
E o mais importante: fui impactada e tocada por multidões de almas diversas.
Sou a que voa e pousa.
A que vive o mundo como escola e templo.
Sou a que se busca e se encontra mil vezes.
E que, em cada volta, volta mais inteira.
Não me pergunte sobre meus próximos passos.
Pergunte como me sinto agora.
Não vivo de planos; vivo de presença.
Não preciso ser forte o tempo todo.
Não preciso fugir da exaustão fingindo que é liberdade.
Posso parar. Posso não saber.
Posso só… respirar.
E não estou sozinha.
Preciso do outro para ter notícias sobre mim.
Espelhos. Como o Alex, como a Anitta, como você.
Se você chegou até aqui, esse texto também é seu.
Talvez você também seja uma de nós.
Daquelas que não têm medo de mergulhar, nem de pausar, nem de desistir.
Daquelas que não precisam se explicar.
Este espaço volta para ser morada disso tudo.
Das pessoas que ousam ser o que são.
Das que foram para dentro de si e para além do que esperavam de si mesmas.
Das que não querem mais calar.
Bem-vinda de volta a mim. Bem-vinda de volta a nós.
Pergunta de bruxa: O que em você precisa ser escrito hoje, para não adoecer em silêncio?
Com amor e verdade,
Vanessa Tenório
Ah! E se você ainda não leu a minha carta para o Alex, aqui está ela.
O documentário da Anitta, eu assisti na Netflix. Fui muito tocada ao ver que os insights mais profundos que ela compartilha, no final do filme, foram na Praia do Pepino em São Conrado (justamente o lugar que eu escolhi para me refugiar durante a pandemia, e de onde escrevi meu último texto aqui no blog).