Uma pausa, um pouso no Brasil: Repatriada!

Queridos amigos e seguidores,

Sim, eu sumi por um tempo. Pausei, pousei e entrei no meu casulo.

Estou, assim como todo mundo, recolhida, em transformação. Metamorfose!

Antecipo que este texto será em tom de desabafo. Portanto, longo, prolixo, desconexo e dedicado especialmente para mim, para quando eu sair do casulo transformada.

Mesmo não estando preparada, decidi quebrar meu silêncio.

Agradeço por todas as mensagens de preocupação que recebi no privado (vocês são incríveis!), e peço perdão por não ter respondido todas ainda.

Sentem que lá vem história! Vou tentar entreter vocês nesta quarentena.

E me entreter principalmente!

O Contexto

Iniciei 2020 na Tailândia imersa em um treinamento sobre Mindfulness, cuja metade da turma era composta por amigos chineses. Foram duas semanas nos preparando para o que estava por vir, mesmo sem saber.

Se tiverem curiosidade, os melhores momentos estão registrados aqui.

Após o curso, me dei ao luxo de tirar férias por um mês no sul do país. Eu merecia depois de nove intensos meses no Vietnã e três anos de jornada.

Me apaixonei tanto pela pequena ilha de Koh Yao Noi (onde ouvi falar pela primeira vez, muito superficialmente, sobre o corona vírus) que decidi procurar alguma oportunidade de voluntariado por lá.

E consegui!

Foi a minha primeira experiência na área de turismo desenhando o programa sustentável para uma rede de resorts da ilha, Koyao Island e 9Hornbills, onde residi e trabalhei como voluntária por apenas um mês (apesar da previsão de longo prazo).

Naquele lugar paradisíaco, a minha angústia começou.

O coração palpita forte só de lembrar.

Em Koh Yao Noi, vi o mundo que eu estava acostumada a explorar se fechar.

Eu já estava isolada, literalmente ilhada, segura, muito confortável e protegida contra o vírus.

Imersa em uma Natureza abundante e exuberante, certamente era o melhor lugar para passar a quarentena por tempo indeterminado.

Eu, de fato, tinha decidido ficar por lá até essa fase sombria passar.

Por incrível que pareça, a minha maior preocupação naquele momento era com o meu visto, que venceria no meu aniversário, primeiro de abril.

Então, decidi ir à cidade mais próxima, Phuket, para solicitar a extensão do visto diretamente no Departamento de Imigração.

Ouvi do agente a primeira falta de empatia e flexibilidade ao questionar porque eles me dariam somente mais sete dias: “This is Thailand! We don´t care!“.

O mesmo agente sugeriu que eu saísse e entrasse no país novamente caso quisesse ficar por mais tempo. E adicionou tentando ajudar: “Não pise na Malásia nem em Singapura. Senão você não volta!”.

Sem entender muito bem ainda o que estava acontecendo, fiz contato com um casal de anjos brasileiros que reside em Myanmar (na época, o país ainda não havia registrado nenhum caso do COVID-19) perguntando se eles poderiam me receber por um fim de semana.

Acolhimento recebido, solicitei o visto, comprei passagens e embarquei com apenas uma muda de roupa. Tudo com o apoio da equipe do resort.

Assim que cheguei em Yangon, recebi a notícia de que a Tailândia havia mudado as regras para entrada no país, exigindo certificado de sorologia negativa para o COVID-19, emitido em até 72 horas antes do embarque, bem como apólice de seguro de saúde com cobertura para COVID-19 de 100 mil dólares (USD).

Entrei em desespero. Tudo meu tinha ficado na ilha e eu não conseguiria atender às novas exigências. Além disso, o meu visto em Myanmar era de apenas 28 dias.

O Sudeste Asiático estava se fechando. O próprio Vietnã, minha casa na Ásia, já estava fechado há bastante tempo.

A minha sorte foi que a Tailândia anunciou as novas regras com antecedência. As mesmas seriam implementadas no domingo e foram anunciadas na sexta, logo após a minha saída.

Passei a madruga de sexta para sábado tentando comprar uma nova passagem para Phuket. Consegui uma para 11h da manhã. Ufa!

Alívio temporário.

Quando cheguei no balcão do check-in (aeroporto lotado com pessoas tentando fazer o mesmo que eu), a atendente me disse que eu não poderia embarcar se não tivesse passagem de retorno.

Retorno para onde, gente? Pensei.

Implorei para que ela me deixasse comprar a passagem enquanto eu aguardasse no portão de embarque. Simpática e flexível, ela permitiu.

Após problemas no WiFi e no código de segurança do cartão de crédito, finalmente consegui que uma amiga anjo da Austrália comprasse a passagem de retorno para mim e me enviasse o bilhete no último minuto. Fui a última a embarcar no voo para Bangkok no dia 21 de março.

Passaporte recarimbado e novo visto concedido até 18 de junho, lá fui eu feliz e aliviada em direção à conexão para Phuket.

No principal aeroporto do sul, a equipe do resort me aguardava para me transportar de volta para a ilha.

Agradeci demais por ter conseguido voltar a tempo para aquele ambiente seguro e natural.

A difícil decisão por impulso

A energia de toda a equipe estava muito baixa diante da incerteza que vivíamos. O resort estava operando com pouquíssimos hóspedes: cinco famílias apenas.

Apesar do tenso cenário não afetar diretamente o meu trabalho, pois o projeto que eu estava desenvolvendo era para a próxima temporada, não tinha como não me envolver com os problemas diários.

O ápice foi quando o governo tailandês declarou estado de emergência e lockdown, obrigando o proprietário do resort a tomar a difícil decisão de fechar sua propriedade pela primeira vez na história de 18 anos.

Nem após o tsunami, que devastou a Tailândia em 2004, isso tinha acontecido.

Eu e mais alguns poucos membros da equipe poderíamos continuar residindo e trabalhando no local, pois o mesmo não havia sido oficialmente fechado pelo governo. Ainda.

Cheguei a passar duas noites sozinha – com muito medo, confesso.

Os animais já estavam tomando o seu lugar e a cada dia apareciam em maior quantidade.

Mas não eram eles que me causavam medo.

Meu medo era ficar presa naquela ilha com escassez, limitações e restrições impostas pelos diferentes estágios do estado de emergência que, entre as prerrogativas, incluem-se a decretação de toque de recolher, a proibição de viagens, o fechamento de edifícios sem mandado judicial, a censura da imprensa, o bloqueio do acesso à internet, entre outros.

Percebi que eu estava sendo regida por um país com regime ditador e isso me fez procurar por ajuda no grupo do Facebook: Brasileiros na Tailândia. Bendito seja o poder das redes!

Lá eu encontrei um recente post de brasileiros que estavam buscando pela repatriação, e que se uniram através de um grupo do WhatsApp.

Não pensei duas vezes. No dia 24 de março, apenas três dias após a renovação do meu visto tailandês, entrei por impulso no grupo e me juntei aos compatriotas.

Foi uma loucura! Um tsunami de mensagens. Todos depositando suas frustrações, medos e angústias em apenas um grupo. Eram mais de 100 mensagens por minuto. Sem exagero.

Meu mundo passou a ser aquele grupo.

Eu não sabia ainda o que estava fazendo, nem o real motivo de eu estar ali.

Só queria me sentir acolhida a milhas e milhas distante de casa.

E unir-me ao meu povo, trazia algum conforto naquele momento incerto.

Estávamos todos no mesmo barco. Aceitei que doía menos.

O grupo foi criado no dia 22 de março. Eu entrei no dia 24 e precisava me atualizar sobre o que havia acontecido nos últimos dois dias.

Imenso desafio diante de mais de 100 mensagens por minuto.

A minha ansiedade multiplicou. Não conseguia comer nem dormir.

Em silêncio, preenchi todos os formulários oficiais solicitados pelas autoridades brasileiras: Ministério das Relações Exteriores, ANAC e Embaixada do Brasil em Bangkok.

Continuava não sabendo o que estava fazendo, mas, por impulso, havia dado o primeiro passo para o meu retorno inesperado ao Brasil.

Logo eu, que tinha recentemente declarado publicamente em minha primeira Live no Facebook, que não tinha interesse em retornar antes de 2022.

À espera da repatriação

Começou tudo muito confuso (assim como este texto).

Cada um agindo como podia para fazer barulho e chamar a atenção do governo brasileiro através das redes sociais. Bendita internet!

Como meu processo era sigiloso (por opção), preferi me ausentar de todas as redes. Não tinha energia para responder perguntas que nem eu mesma sabia a resposta. Por isso, decidi recolher-me e isolar-me.

Em paralelo, todos contatavam as embaixadas locais para pedir ajuda.

O nosso grupo chamava-se Repatriação Sudeste Asiático composto por brasileiros retidos na Tailândia, Camboja, Laos, Filipinas e alguns poucos na Indonésia e no Vietnã (pois eles tinham o seu próprio grupo no WhatsApp).

Muitos conflitos surgiram entre nós mesmos. Não era fácil controlar mais de 200 brasileiros retidos do outro lado do mundo com diferentes necessidades. No entanto, tínhamos uma necessidade em comum: voltar para casa! O suficiente para nos unir.

Como a minha energia estava 100% concentrada naquele grupo, me coloquei a serviço para ajudar no que fosse preciso.

[Ariana que sou, não conseguiria ficar parada esperando as coisas caírem do céu, e precisava ocupar a minha mente para não surtar. A essa altura, o curso de Mindfulness já tinha ido para o espaço – com vergonha, confesso].

As Embaixadas também criaram grupos fechados no WhatsApp para facilitar a comunicação com todos que estavam buscando ajuda.

O nome do grupo criado pela Embaixada do Brasil em Bangkok, que também é responsável por Camboja e Laos, foi COVID 19 – Ação Consular (as principais notícias compartilhadas ainda estão disponíveis no site oficial).

Com frequência, tínhamos que preencher um formulário diferente. Aceitável, tendo em vista que o perfil do grupo ia mudando a cada dia.

Nesta ocasião, somente a equipe da Embaixada tinha acesso ao nosso perfil. Portanto, resgatei as minhas habilidades de administradora e criei um formulário à parte para fazer uma estimativa do perfil do grupo, levantando dados importantes para identificar quem estava com algum problema de saúde ou financeiro, usando ou precisando de medicamento controlado, etc.

A maioria retida era turista que sofreu com o cancelamento dos voos devido ao fechamento dos aeroportos. Alguns ainda podiam pagar por novas passagens aéreas em raríssimos voos comerciais disponíveis, mesmo custando uma fortuna e sem a certeza do embarque.

Esses dados consolidados do coletivo nos ajudaram muito a fazer pressão na Embaixada local e solicitar o apoio da imprensa brasileira para divulgá-los. Principalmente, quando fomos notificados no dia 26 de março, pela assessoria da Presidência da República do Brasil, que a Tailândia, infelizmente, não se enquadrava, por questões logísticas, entre os primeiros países na lista de prioridade para possível repatriação.

Ambas, tanto a Embaixada quanto à imprensa séria brasileira, foram parceiras fundamentais no longo processo junto ao Itamaraty.

Equipe da Embaixada do Brasil em Bangkok

[Em outro texto, pretendo compartilhar como foi a minha experiência pessoal como uma das “admins” do grupo.]

Parte da Equipe de Administradores do Grupo de Repatriação do Sudeste Asiático

O grupo ia crescendo diariamente e se fortalecendo.

Uma das nossas ações, para exemplificar a força coletiva, está abaixo:

***

Ação dos Cidadãos para Repatriação – 28/03/2020

O Setor Consular tomou ciência do requerimento, assinado por grupo de 160 brasileiros retidos na Tailândia, dirigido à presidência da República do Brasil, solicitando repatriação.

Consideramos a iniciativa muito proveitosa no sentido de acionar todos os canais possíveis para equacionar a situação crítica gerada pela pandemia de COVID19.

Contem com nosso apoio para retransmitir o documento para Brasília, a título de apoio à iniciativa dos cidadãos e de reforço de nossas ações para o retorno de todos os brasileiros.

Embaixada do Brasil em Bangkok

***

A reportagem do Fantástico, que foi ao ar no dia 29 de março, onde o Ministro das Relações Exteriores – Ernesto Araújo – concedeu entrevista, também foi uma ajuda importante para agilizar a nossa repatriação.

Cidadãos, Embaixadas e Imprensa atuando de forma colaborativa para pressionar o governo brasileiro.

Enquanto isso, o governo tailandês seguia anunciando novas medidas: cancelamento de voos domésticos, redução da frota terrestre e marítima, fechamento das ilhas, hotéis e aeroportos, impedimento da circulação entre províncias, toque de recolher, etc.

Foi a principal razão para eu cancelar meu trabalho voluntário e sair da ilha no dia 27 de março em direção à Phuket, onde me juntei a alguns brasileiros e permaneci até a véspera do meu aniversário, quando embarquei para Bangkok.

No aeroporto de Phuket, embarcando para Bangkok

Seria impossível continuar uma jornada pelo mundo como voluntária diante desta crise pandêmica e fronteiras fechadas. Aceitei este fato.

A orientação da Embaixada, desde o dia 24 de março, era que todos se concentrassem em Bangkok à espera do voo de repatriação.

Como eu tinha acomodação e alimentação gratuita em Koh Yao Noi, estava postergando ao máximo a minha ida para a capital, pois passaria a usar o meu fundo de emergência a partir do momento em que deixasse a ilha.

Nossa maior angústia era não ter uma previsão de embarque. O dinheiro de muitos já tinha esgotado ou estava esgotando. A energia também.

Aos que se declararam hipossuficientes, a Embaixada enviou ajuda de custo.

Não foi o meu caso. Mesmo não tendo renda há mais de três anos, consegui me manter dividindo uma casa com 11 brasileiros que viraram a minha família (BBBangkok) e fizeram tudo ser mais leve e divertido. Depois vocês vão entender porque estou dizendo isto.

Família BBBangkok celebrando a Páscoa. Teve estrogonofe vegetariano e brigadeiro!

Cinco de nós já tínhamos nos conectado em um hostel quando nos deslocamos das províncias para a capital. Hostel este que foi aberto só para nos receber a pedido de uma das minhas amigas tailandesas (sempre há anjos em meu caminho!).

Em meio ao caos, meus 41 anos bateram na porta e o meu anjo tailandês foi me visitar com todas as precauções necessárias levando cupcakes, guloseimas, máscaras, álcool em gel e alguns utensílios necessários para comprar comida nos poucos restaurantes em operação. Eu tinha acabado de chegar em Bangkok e ainda estava conhecendo as restrições da cidade.

Meu anjo tailandês. Único registro do meu aniversário de 41 anos.

Enquanto aguardávamos o voo humanitário de repatriação, precisávamos nos prevenir e proteger contra o COVID-19.

Em toda Tailândia, é padrão aferir a temperatura de todos na entrada dos poucos estabelecimentos abertos para atender as necessidades básicas.

A higienização com álcool em gel na entrada e saída também é obrigatória. O uso da máscaras idem.

Inclusive um brasileiro foi preso por 24 horas por usar a máscara abaixada enquanto bebia uma cerveja na praia (cuja venda – de álcool em geral – também foi proibida). Infringiu as leis e foi punido como em qualquer lugar do mundo.

Muitos de nós, mesmo cumprindo as leis, sofremos xenofobia. A grande maioria do povo tailandês, simpático e receptivo, passou a enxergar o estrangeiro como o vírus e isso nos deixava mais frágeis emocionalmente.

Foram 28 dias de espera (no meu caso).

Muitas noites sem dormir. O fuso não ajudava. Tínhamos que ficar de plantão para articular as diferentes redes no Brasil.

Angústia e ansiedade resumiam meus sentimentos.

Eu estava ligada no 220v. Se eu parasse, desabaria.

Passava dia e noite caminhando dentro de um cômodo enquanto utilizava o celular tentando, junto à equipe que se predispôs a estar na linha de frente, organizar o grupo, criar estratégias, resolver diferentes problemas e conflitos, atender diversos chamados de socorro e necessidades pessoais que não paravam de chegar.

Ainda não tinha caído a ficha de que eu estava fazendo tudo aquilo para voltar ao Brasil e pausar o meu sonho e projeto.

Que havia um vírus matando muita gente e colapsando sistemas de saúde.

Que o isolamento social estava sendo praticado no mundo inteiro para preservar vidas.

Que havia mais gente passando fome, mais violência doméstica, mais depressão, mais suicídio.

Sim, existiam problemas muito maiores que os meus. E tudo que eu menos queria era pensar somente em mim.

A dor do mundo era a minha dor. Ainda é.

[Pausei várias vezes a escrita deste texto. Aqui foi uma das maiores pausas até o momento para praticar a filosofia havaiana Ho’oponopono: Sinto muito. Me perdoe. Eu te amo. Sou grata. Minha contribuição para a cura da Terra.]

A confirmação do voo de repatriação

Poucos dias após o envio do requerimento à Presidência da República e a matéria do Fantástico – que se propagou em outros telejornais, recebemos a primeira informação de possibilidade de voo:

31/03/2020 – A Embaixada do Brasil em Bangkok informa que recebeu hoje instrução do Ministério das Relações Exteriores para coordenar esforços no sentido de viabilizar voo fretado para repatriação dos brasileiros retidos na Tailândia, Laos e Camboja.

Celebramos muito esta primeira vitória!

Durante uma semana, os esforços da Embaixada foram concentrados na atualização da Lista de Repatriação e no reforço da necessidade de todos se deslocarem para Bangkok o mais breve possível.

Uma semana depois, mais um notificação nos trazia esperança:

08/04/2020 – ESTIMA-SE que o voo de repatriação poderá ocorrer entre 12 e 18 de abril de 2020.

Até que, no dia seguinte, chegou a tão esperada confirmação!

***

09/04/2020 – A Embaixada do Brasil em Bangkok informa que a companhia aérea Garuda apresentou a melhor proposta e está sendo contratada para voo de repatriação de brasileiros retidos na Tailândia.

O voo está programado para acontecer entre os dias 16 e 17, a depender de exigências técnicas da aeronave e de prazos para os devidos trâmites burocráticos.

A aeronave partirá da Indonésia, com brasileiros retidos naquele país, e fará escalas em Bangkok e Hanói, para a coleta dos brasileiros retidos na Tailândia e Vietnã. O destino final é São Paulo (Guarulhos).

***

Os brasileiros retidos nas Filipinas foram os primeiros do grupo a serem repatriados. O caso deles era muito mais crítico porque o presidente insano autorizou a atirar em quem não cumprisse a quarentena. Pasmem!

Os retidos no Laos e Camboja seriam priorizados após a nossa operação, pois não houve acordo diplomático para que embarcassem conosco (eles estão retornando no próximo domingo (03/05).

Com a confirmação da repatriação, finalmente podia contar a novidade para meus pais e sobrinhas (meu irmão já sabia porque estava me ajudando a encontrar um lugar para passar a quarentena voluntária).

Este, sem dúvida, foi um dos momentos mais emocionantes. Eles não esperavam. Convoquei individualmente todos para uma videoconferência e a surpresa foi gigante quando viram toda a família conectada (eu nunca tinha feito isso antes).

O adiamento inesperado

16/04/2020 – O grande dia do embarque havia chegado.

Todos da família BBBangkok estavam com mochilas prontas e check-out programado.

Cada um de nós se despediu da Tailândia como pôde.

Eu decidi me dar dois presentes com os poucos bahts (moeda tailandesa) que sobraram: uma tatuagem miniatura para simbolizar a pausa que eu estava dando no meu projeto e uma massagem corporal em domicílio.

[Ambos serviços estavam proibidos pelo governo. Chutei o balde! Me julguem.]

Esta tatuagem com o ponto e vírgula representa as duas pausas que dei no meu projeto ao longo da jornada: o acidente da queimadura (fiz a tatuagem em cima de uma das marcas) e a repatriação.

Enquanto eu estava plena, recebendo a massagem tailandesa no meu quarto – faltando um pouco mais de uma hora para irmos para o aeroporto, chegou a mensagem bombástica:

COMUNICADO ULTRA IMPORTANTE – ATRASO DO VOO DE REPATRIAÇÃO

A Garuda acaba de comunicar às Embaixadas do Brasil em Bangkok, Jacarta e Hanói que o voo de repatriação terá que ser atrasado em 24 horas.

O motivo é que Doha, apesar das solicitações do governo brasileiro, não está autorizando o pouso do avião. A companhia aérea necessita desse período para alterar o plano de voo.

Oi?

Foi essa a minha reação quando meus amigos me deram a notícia.

Fui a última a saber.

O silêncio predominava na casa.

Todos já tinham reagido à sua maneira.

Sabíamos que não seriam apenas 24 horas.

Subi em silêncio para o quarto, acendi uma vela aromática e aceitei.

Tentei encontrar a luz dentro de mim, a paz interior.

Tentei ser grata na dificuldade.

Funcionou parcialmente.

Tivemos uma reunião para decidir o que fazer enquanto grupo de 11. Poderíamos ficar na casa apenas até às 11 horas do dia seguinte.

Vivíamos mais um momento de incerteza. A diária havia subido de THB 1200 para THB 2000. Não seria possível permanecer lá.

Iríamos para onde? Até quando?

Preferimos aguardar até o dia seguinte.

Eu dividia o quarto e a cama com outra admin do grupo. Antes de dormir, escrevemos juntas um email para a Embaixada, usando a conta dela, pedindo orientação e ajuda.

A resposta veio somente às 10 horas da manhã, quando estávamos tentando encontrar um hotel aberto e barato. Recebemos a autorização para nos deslocarmos para um hotel perto do aeroporto, pago pela Embaixada até a confirmação do voo.

Em paralelo, recebemos outra mensagem no grupo oficial informando que não havia previsão para a nova partida da aeronave, e para nos prepararmos para um período de espera superior a 24 horas para o embarque.

Chegando no hotel, nosso grupo recebeu três quartos para banho e cochilo, pois havia ainda a possibilidade de não pernoitar ali.

Às 15 horas, recebemos a informação de que não havia expectativa do voo acontecer antes da segunda-feira (20/04) e fomos realocados.

Pelo menos, estávamos sobre os cuidados da Embaixada, recebendo hospedagem e alimentação.

Aconteceu tanta coisa naquele hotel que dá preguiça de escrever.

Na verdade, estou começando a ficar desestimulada para terminar este texto. Demanda muita energia reviver todo o processo.

Foram quatro noites que pareceram uma eternidade.

O tão esperado embarque e a longa viagem

Finalmente o voo de repatriação GA8800 foi confirmado para decolar do Aeroporto Internacional de Suvarnabhumi na terça-feira (21/04/2020), às 21h30. 

Eu perdi as contas de quantas vezes eu já havia arrumado a minha mochila em mais de três anos de jornada por 30 países.

Mas aquela arrumação era muito significativa. Eu estava indo para casa.

Claro que passou um filme na minha cabeça. Chorei.

Tínhamos que estar no aeroporto entre 14h30 e 16h30 para controle da Lista de Repatriação com a equipe da Embaixada.

A rota prevista inicialmente foi modificada. O voo veio de Hanói, com 46 brasileiros que estavam retidos no Vietnã, e pousou em Bangkok para o embarque de mais 188 passageiros (nosso grupo foi o maior). A aeronave seguiu para Medan, na Indonésia, onde embarcaram mais 136 brasileiros retidos naquele país.

368 passageiros no total.

O voo humanitário fez escala em Amsterdã, Holanda e pousou em Guarulhos, São Paulo por volta das 19 horas (horário local) do dia 22/04/2020, quarta-feira, Dia do Descobrimento do Brasil.

Foram longas 32 horas dentro do avião, para quem embarcou em Bangkok.

Eu não consegui fazer nada que planejei (ler, escrever, assistir a filmes).

Passei a maior parte do tempo, em estado de choque, acompanhando o mapa de voo.

Me autosabotei.

Tive uma crise de choro vendo o avião sobrevoar a maioria dos países que explorei.

Lembrava-me das experiências que vivi, das pessoas que me conectei.

Sabia que elas também estavam sofrendo de alguma forma com a pandemia.

Levei mais de três anos para cruzar aqueles continentes, utilizando diferentes meios de transporte, e estava retornando de forma não planejada em “apenas” 32 horas.

Vivia uma montanha russa emocional de medo e amor.

Precisava ser grata. Eu estava voltando para casa com segurança e saúde.

O pouso no Brasil

Este deu o que falar!

Ficamos famosos por causa de uma iniciativa do BBBangkok que viralizou na internet.

Lembram que eu disse no início que o grupo de 11 brasileiros (me incluindo) fazia meus dias de espera mais leves e divertidos?

Família BBBangkok antes do embarque

Como também estávamos em quarentena, nós acompanhávamos as “lives” transmitidas no Brasil, cantando e dançando.

Durante uma cantoria coletiva na casa, combinamos de puxar “Evidências” no voo.

E acabou acontecendo naturalmente após o pouso, enquanto as luzes do avião ainda estavam apagadas.

Uma brasileira, que não fazia parte do nosso pequeno grupo, filmou a iniciativa e postou em seu Instagram fazendo uma brincadeira com o hino nacional.

A brincadeira acabou virando fake news e repercutiu sem controle.

A tripulação NÃO pediu para cantarmos o hino nacional e a iniciativa não teve cunho político. Só queríamos celebrar o nosso retorno fazendo o que o povo brasileiro sabe fazer de melhor, se divertir!

Se ainda não assistiu ao vídeo, vale a pena. 🙂

♫ E nessa loucura de dizer que não te quero
Vou negando as aparências
Disfarçando as evidências
Mas pra que viver fingindo
Se eu não posso enganar meu coração
Eu sei que te amo, Brasil! ♫

A quarentena no Rio

Minha única foto ao pousar no Brasil

O meu retorno à cidade maravilhosa não foi como eu imaginei: ao som do Samba do Avião de Tom Jobim, descendo no Santos Dumont em dia ensolarado e correndo para os braços da minha família e amigos, que me aguardavam com cartazes, bolas e guloseimas no portão de desembarque.

Ao contrário, a minha chegada foi na madrugada, de van, pela Dutra, saindo de Guarulhos. Foram sete horas de uma interminável viagem após 32 no avião.

Meu irmão me aguardava na Rodoviária da Alvorada, na Barra da Tijuca, onde a van fez sua primeira parada. Muitos quilos mais magro, e de máscara, ele não pode me abraçar.

Cansada (física e emocionalmente), eu não sabia o que fazer, nem o que dizer.

Entrei no carro no modo piloto automático e segui desta forma até Campo Grande, onde meus pais residem.

Consegui observar poucas coisas no caminho durante o amanhecer.

Estava sendo devolvida literalmente ao meu local de origem, às minhas raízes – o verdadeiro sentido da palavra REPATRIADA.

E foi assim que, após mais de três anos, eles me receberam: à distância e mascarados.

Prefiro não resgatar o que senti para não ter outra queda de imunidade.

Estou fazendo quarentena na última casa que aparece na foto, abaixo da árvore no canto direito, a duas casas dos meus pais.

Os anjos cariocas também entraram em ação. Esta casa é dos meus tios e está vazia e à venda. Eles abriram as portas para eu passar os 14 dias de isolamento.

Minha família montou uma pequena infraestrutura para me oferecer o mínimo de segurança e conforto. Tenho tudo o que preciso, exceto calor humano.

Sinto-me em uma prisão domiciliar tomando sol durante 30 minutos por dia no quintal e recebendo alimentação à distância, sem contato com ninguém.

Estou no oitavo dia. Falta pouco para eu mudar-me para a casa dos meus pais.

Adoeci no segundo e terceiro dia. Não foram sintomas do COVID-19.

Meu corpo reagiu à mudança e fez uma limpeza física e emocional, um detox generalizado.

Tive diarreia e vômito por dois dias seguidos. Perdi muito líquido e fiquei muito fraca, vivendo à base de soro caseiro e água de coco.

Graças a Deus, já estou recuperada.

O que está vivo em mim?

Amor e medo.

E eu preciso decidir qual sentimento alimentar.

O amor me faz ter o autocuidado, me abraçar e dizer que vai ficar tudo bem.

“É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade.” Luíz Vaz de Camões

Afirmações que nos parecem contraditórias, mas que são inerentes à própria natureza desse sentimento complexo.

Escolho alimentar e sintonizar o amor.

Mas é claro que o medo está sempre batendo na porta.

Às vezes ele é abusado e entra por baixo. Fica por alguns instantes, mas logo sai de fininho, faminto.

Pós-quarentena

Incerteza é a palavra do momento.

Não quero sofrer pensando no futuro, mas é inevitável.

Precisarei me reinventar mais uma vez? Pergunta que não quer calar.

Há tantas possibilidades quando tudo voltar à normalidade:

  1. Curtir o Rio, a família e os amigos enquanto aguardo o projeto da África ser reconfirmado;
  2. Continuar a jornada pelo Brasil;
  3. Aceitar que o sonho 1 (volta ao mundo) acabou e partir para o sonho 2 (construção da escola);
  4. Procurar por um trabalho remunerado temporário;
  5. Dar uma pausa em tudo e viver uma história de amor (até que não seria má ideia!);
  6. Hibernar e escrever um livro. Hibernar de novo, tá louca?

Quase!

***

Apesar de eu ter sido repatriada, o Voe Nessa não terminou.

Continuarei no casulo até a primavera chegar e tudo voltar a florescer.

Enquanto isso, sigo podando meu jardim.

Gratidão por segurarem a minha mão até aqui.

Fiquem bem e em casa se possível.

“Volta teu rosto sempre na direção do sol, e então, as sombras ficarão para trás.” Provérbio oriental